Humans of Cursinhos: entrevista com Caio Kazuo, diretor de ensino do cursinho Galt Vestibulares

A entrevista de hoje do Humans of Cursinhos é com o professor, coordenador da cadeira de Biologia e atual Diretor de Ensino do cursinho Galt Vestibulares!

Caio Kazuo Silva Taniguchi, de 23 anos, formou-se em Biologia na Universidade de Brasília no final de 2016 e há 2 anos trabalha como voluntário no cursinho popular Galt Vestibulares, em Brasília-DF. Começou como professor de Biologia e hoje já acumula várias funções de destaque no cursinho, sendo um dos professores mais queridos pelos alunos e voluntários!

 

Caio, o que te dá ânimo e te motiva a fazer todas essas coisas?

Caio: cara, eu já tô no Galt há mais de um ano e, sempre que tem resultado, sempre que tem aprovação, os alunos vêm agradecer a gente, vêm com um sorriso no rosto.

Teve aluno que já chamou a gente de herói, sabe, o cara que muda o mundo! E eu acho muito legal e importante isso de ser capaz de, com muito ou pouco esforço que seja, mudar a realidade de alguém que precisa, mas não tem a oportunidade.

Acho que esse é um papel que as pessoas deviam ter mais no mundo e não têm, então se eu posso fazer um pouco, vou fazer e trazer o máximo de pessoas possível para fazerem comigo.

 

Quanto aos CUPs [Cursinhos Universitários Populares], que papel você considera que eles têm, hoje, na educação?

Caio: eu acho que cursinhos como o Galt estão aí para tentarem diminuir o abismo da diferença de oportunidades entre quem tem boas condições e quem não tem.

Se você for ver, os cursinhos particulares cobram 4, 5 mil reais por ano, às vezes até por semestre. Muita gente não tem oportunidade de pagar isso e acaba ficando de fora da universidade por não ter alguém que a ensine ou por não ter um material.

Eu acho que os CUPs vêm neste sentido, de colocar os alunos para competir não de igual pra igual, porque isso é praticamente impossível hoje em dia, mas no sentido de tentar diminuir ao máximo essa diferença.

 

Você quer ser professor, então, além de tudo, o Galt de teu uma experiência profissional, certo? Você acha que esse trabalho trouxe mais para você uma experiência de vida ou uma experiência profissional?

Caio: eu acho que as duas experiências estão equiparadas. Foi no Galt que tive a primeira turma que pude chamar de minha, onde pude organizar um plano de aula, além de ter de organizar meu próprio tempo. Eu aprendi a lidar com os alunos, sendo o titular de uma turma pela primeira vez. Então, foi um crescimento profissional muito grande.

Ao mesmo tempo, eu cresci bastante como pessoa. Hoje, sou uma pessoa com uma visão de mundo mais crítica, tenho mais consciência das injustiças do mundo, principalmente da falta de oportunidades. Então, sem dúvida, foi um crescimento bem grande nos dois lados.

 

O que a experiência como Diretor de Ensino te trouxe além da sua experiência como professor?

Caio: enquanto diretor, eu acabo sabendo onde os alunos moram, qual a dificuldade que eles têm…

A gente recebe as justificativas de falta e, por exemplo, tem aluno que falta porque não tem dinheiro pra pagar passagem, ou seja, não tem dinheiro pra pagar o deslocamento para ir até o cursinho. Eu tenho contato com esses problemas maiores porque sou diretor.

Tem gente que tem caso de um parente doente na família e nós não fazemos ideia. Tem gente que mora muito, muito longe e passa 3 horas num ônibus pra vir pra cá e, como professor, a gente não faz ideia dessas coisas. Mas, enquanto diretor, a gente entra em contato com essa outra realidade e acaba entendendo ainda mais a dificuldade que esses meninos e meninas têm de correr atrás dos sonhos deles. Acho que correr atrás dos sonhos deveria ser de graça, deveria ser um direito de todo mundo e acaba não sendo, né?

 

E o que isso te agrega socialmente? Que diferença faz o fato de você conhecer melhor essa realidade?

Caio: a vontade de ajudar aumenta sem dúvida, porque isso vai te dando combustível, vai te dando energia. Você se depara com as injustiças que acontecem, com a falta de oportunidade, e vai querendo cada vez mais lutar contra isso e se esgotar ao máximo para que alguém possa sonhar.

É simplesmente isto, a gente tá tentando dar o direito a essas pessoas de sonhar, sabe. Parece algo tão simples, mas, ao mesmo tempo, é algo tão complexo. Cada vez mais que a gente vai percebendo tudo isso, a gente tenta com mais afinco, com mais energia, para tentar diminuir essas injustiças, tentar aumentar ao máximo a possibilidade desse aluno entrar numa federal, ou conseguir um FIES [Financiamento Estudantil], ou alguma coisa do tipo.

 

Eu vi que, hoje, você veio aqui só trazer o micro-ondas para eles esquentarem o almoço e logo você vai voltar pra casa. Vi também que você trouxe sua namorada, logo já envolveu ela em tudo. Ou seja, o Galt já ultrapassou o lado profissional há muito tempo, virou pessoal, né? O que isso significa pra você?

Caio: ultrapassou com certeza e foi pro lado pessoal, sem dúvida! Isso significa muitas noites a mais sem dormir (risos).

Muitas vezes, eu tenho que sair de casa pra vir aqui resolver alguma coisa que eu não precisaria normalmente, mas, ao mesmo tempo, a fila do micro-ondas tá ali até agora, né? [nesse momento já fazia mais ou menos 1 hora da chegada do Caio com o forno micro-ondas]. Então, se eu não viesse trazer esse micro-ondas, se eu não me preocupasse a esse ponto, as pessoas iam comer comida fria e isso provavelmente seria mais um desestímulo que elas teriam. Isso porque elas sabem que não têm condições de pagar um restaurante por exemplo, ou ir ali ao shopping comer alguma coisa. Por isso, elas trazem a comida de casa e aí, se não tivesse o micro-ondas, elas iam comer a comida fria, iam ficar mais desestimulados.

A gente vai descobrindo que essas pequenas coisas são muito importantes. O simples fato de alguém vir aqui, lembrar deles, trazer o micro-ondas para eles terem uma refeição melhor na medida do possível, já mostra que tem alguém preocupado, e isso com certeza vai dar uma força!

 

E quando você entra na sala de aula: você vê apenas alunos ou enxerga pessoas?

Caio: no Galt, eu consigo enxergar mais pessoas do que alunos. Claro que, na posição do quadro, vendo eles sentadinhos, eles não deixam de ser alunos, mas, quando você entra numa sala do Galt, é muito diferente de quando entra numa sala de um cursinho particular.

Você está ali simplesmente porque você quer, porque quer ajudar e você vê os alunos ainda mais do que como pessoas. Eu vejo ali histórias, eu vejo sonhos,  eu vejo aspirações. Eu vejo esperança.

Aqui não tem como desatrelar o pessoal do profissional porque, quando você sai da sala, um aluno vem falar com você sobre como está triste porque algo aconteceu na vida dele e não vai poder vir na sua aula na semana que vem, por exemplo. Ele vem te contar isso porque é muito importante pra ele e ele acha que é muito importante pra você também. E acaba realmente sendo muito importante pra você!

Quando um aluno falta uma aula nossa e depois a gente descobre que foi por falta de dinheiro ou por algum problema na família, não tem como não sentir. Então, cada vez mais, a cada aula que você dá, você vai vendo mais pessoas e menos alunos, sem dúvida nenhuma.

 

Além do conhecimento compartilhado nas aulas, que outra diferença você acredita que faz na vida dos alunos?

À direita, Kazuo, como é conhecido, durante a comemoração dos aprovados no vestibular de 2016 da UnB

Caio: então, eu acho que uma coisa muito interessante que acontece no Galt é quando os alunos passam e a primeira coisa que dizem é “eu quero voltar pra ajudar mais gente do jeito que você me ajudou”. Logo, eu acho que, além de obviamente ensinar e preparar os alunos para uma prova, a gente está ensinando a eles como fazer solidariedade, a gente desperta isso neles.

Alguns já têm naturalmente isso, é óbvio. Mas muitos deles acabam despertando esse lado de voluntariado, de solidariedade, por conta do que a gente faz por eles. Eu acho que o Galt e todos os outros CUPs acabam funcionando como se fossem uma semente. Você ajuda o aluno e ele vai ter vontade de ajudar mais gente. Assim, vamos criando uma corrente de solidariedade, o que eu considero muito importante!

 

Apesar de ser o professor, o que você aprende todos os dias nas suas aulas?

Caio: cara, eu aprendo que o valor das pessoas está cada vez menos atrelado ao que elas têm, mas sim ao que elas são, ao que elas querem fazer, aos desejos delas!

Eu aprendo diariamente que cada pessoa é um universo diferente, é um indivíduo com seus sonhos, com suas aspirações e que a gente não pode minimizar uma pessoa só pela condição de vida que ela tem ou por qualquer coisa que tenha acontecido com ela.

Eu estou aprendendo cada vez mais a igualar as pessoas e a entender elas tem que ser respeitadas pelo que são, simplesmente por serem pessoas individuais como elas são, e não pelo que elas têm ou pelo que elas fazem ou mesmo por sua posição na sociedade.

 

E como você veio parar no Galt? O que te trouxe até aqui?

Caio: eu havia acabado de voltar de um intercâmbio quando o Thales (professor de Física do Galt) me chamou para ser professor também. E eu adorei a proposta!  Fui conhecer, fiz minha aula teste e desde a minha primeira aula já me apaixonei pelo projeto, tanto que estou até hoje, sempre agregando mais funções, tentando ajudar da melhor maneira possível.

Isso porque é um sentimento que eu sempre tive. Pra que viver se a gente não puder mudar a vida de outras pessoas, se a gente não puder fazer algo positivo? Acho que isto foi o que mais me motivou, poder fazer a mudança em algo que eu gosto, com algo que eu quero fazer! Eu quero ser professor, não só como voluntário mas como profissional também. Então, se é uma coisa que eu quero fazer, que eu acho que sei fazer, por que não fazer também pra ajudar as outras pessoas?

 

Você pretende continuar fazendo trabalho voluntário, não necessariamente no Galt, por muito tempo?

Caio: sim! Eu descobri que é uma coisa que me faz muito bem, e acho que faria bem em qualquer pessoa que tentasse, porque você acaba descobrindo um lado mais humano em você.

Fazer um trabalho voluntário, ser capaz de ajudar outras pessoas, eu acho que é uma coisa que te faz mais humano, te faz viver mais, sentir mais a vida, e eu acho isso muito legal.

Você vai descobrindo que o mundo não é aquilo que você acha que é, que as pessoas nem sempre têm as facilidades que você tem.

 

Gostou da entrevista? Veja a da semana passada, com Edgar Leal, ex-aluno do MedEnsina, clicando aqui!

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