Garra (MG): “Destacamos a importância do nosso trabalho enquanto projeto social”.

Em meio à pandemia do novo coronavírus, cursinho mineiro reforça o papel social da educação em uma sociedade marcada por altos índices de desigualdade.

 

Em casa, nos estudos – Ações de flexibilização do ensino visam auxiliar os alunos em suas necessidades pessoais, sociais e econômicas. Foto: Cortesia/Garra.

A terceira parada da trilha de conteúdo da Brasil Cursinhos intitulada #NosCUPs – e a primeira deste mês de maio – é em Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, mais precisamente no Garra – Cursinho Popular. 

O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo, de acordo com o último relatório divulgado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), no fim do ano passado, ficando atrás apenas de nações do continente africano, como África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique. 

O documento também aponta que a parcela dos 10% mais ricos do Brasil concentra 41,9% da renda total do país, enquanto o 1% mais rico concentra 28,3% da arrecadação.  

E os abismos socioeconômicos brasileiros tendem a ficar cada vez mais visíveis no atual cenário de pandemia e de isolamento social. Sob determinação governamental de estados e municípios, escolas e universidades – públicas e particulares – mantêm suas atividades suspensas, afetando diretamente o calendário letivo e o desenvolvimento pedagógico de milhões de alunos, incluindo crianças, jovens e adultos que habitam os extratos mais vulneráveis da sociedade.   

Na esteira das propostas educacionais apresentadas por algumas autoridades públicas e integrantes da iniciativa privada aparece o Ensino à Distância (EaD). Contudo, o negativo panorama do país – exposto pelo relatório do PNUD – amplia as dificuldades de implementação de ações alinhadas à modalidade remota.

“Nós estamos falando de uma realidade em que a gente acha que todo mundo tem acesso à internet. Não é verdade. Nós temos pesquisas que apontam, aqui no Distrito Federal, onde está a capital do país, que 90% dos estudantes têm acesso e fazem uso do WhatsApp. Isso não significa que seja uma boa internet para acessar a plataforma do EaD. Muitas famílias não têm sequer televisão em casa, imagina ter uma boa internet”, afirma Rosilene Corrêa Lima, diretora e secretária de finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em recente matéria publicada pela Rede Brasil Atual. 

Fundado em 2017 por 3 alunos do curso de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e funcionando como projeto de extensão da mesma, o Garra – Cursinho Popular conta, atualmente, com 54 membros e 65 alunos. 

Hoje, frente aos desafios impostos pela COVID-19, seus gestores e professores estão desenvolvendo e implementando ações de acompanhamento pessoal e pedagógico dos estudantes matriculados, dando ênfase ao caráter social da educação no amparo às disparidades de renda de grande parte da sociedade, realidade essa apresentada por um número considerável dos discentes da instituição. Ademais, alguns alunos também estão no grupo de risco da doença.  

Tendo em vista a problemática contemporânea do país apresentada mais acima – com destaque as desigualdades e à pandemia – a BC entrevistou Vitor Bessoni Lima, Vice-presidente, e graduando em Direito pela UFJF; e Jardel Albino Vianello, Diretor de Ensino, graduando em Medicina pela UFJF, ambos do Garra, a fim de conhecer os movimentos empenhados em prol dos alunos do cursinho, caminhando na contramão das crescentes e contínuas mazelas do país. 

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Quais são as estratégias e ferramentas adotadas perante o quadro atual?

Estamos usando algumas ferramentas online com grande frequência. Todos os materiais são disponibilizados em grupos de WhatsApp pelos professores e monitores, respeitando o nosso horário de aulas presenciais (se eles teriam aula de Língua Estrangeira, História Geral e Matemática na segunda, serão esses materiais que eles vão receber toda segunda-feira e assim por diante). 

Para que todo o conteúdo seja concentrado em um local e os alunos não percam nada, construímos uma Biblioteca Virtual utilizando o drive do Departamento de Ensino, com uma pasta para cada matéria. Além dessas duas ferramentas, que são nossos principais meios, os alunos têm acesso gratuitamente às videoaulas do Descomplica.

Até o momento, alguns professores têm feito suas próprias vídeo aulas ou enviam vídeos do YouTube sobre a matéria, sempre com um roteiro para direcioná-los. 

Além disso, recebemos apoio do cursinho Cave, que disponibiliza suas apostilas a todos os nossos alunos. Esse material é muito utilizado como base para alguns professores, mas existem aqueles que preferem montar seu próprio material e enviá-lo aos alunos em formato PDF. Ainda, todos os professores têm sido orientados a montar uma listinha breve de exercícios para que os alunos deem um feedback sobre o entendimento da matéria, além de servir como uma forma de verificação de adesão dos estudantes a esse programa de ensino à distância.

 

Quais pontos levaram em consideração no momento de desenvolvê-las?

Definimos em atender aos alunos em suas necessidades, principalmente nas questões financeiras, e também aos professores. 

Até pelo curto período de tempo de atuação do cursinho, entramos em consenso sobre buscar informações quanto à acessibilidade dessas estratégias aos estudantes e docentes, considerando:

  • A faixa etária dos alunos, algo que pode influenciar no acesso ao material didático; 
  • O acesso à internet – em tempos de acessibilidade e quantos deles/delas poderiam fazê-lo;
  • O aspecto psicológico dos alunos, para que eles não se sentissem desmotivados, tampouco pressionados neste momento de adaptação para todos, alunos e membros do Garra;
  • A comunicação entre os departamentos, para que o trabalho final possa ter um bom direcionamento e qualidade a comunidade escolar, 
  • E fazer um levantamento sobre a adesão, em termos de avaliação quantitativa, a respeito de quantos alunos estamos atingindo.

 

Como está sendo a receptividade dos alunos, professores e voluntários para com as ações adotadas até aqui?

Estamos ainda colhendo essas informações, entretanto, com base em relatos obtidos, eles se sentem num período de adaptação contínuo. 

Muitos estão colocando a matéria em dia, adaptando sua rotina nova, lidando com os problemas domiciliares, um novo fluxo de informações e, principalmente, sentindo falta do contato presencial (professor-aluno), ação interacional dentro de sala de aula, do apoio amigável dos professores, e da presença deles, a fim de sanarem suas dúvidas.

 

Como avaliar o desempenho do corpo docente e discente a partir dessas estratégias?

Estamos criando um formulário no qual os alunos irão avaliar os professores de maneira anônima, para que nenhum sinta-se pressionado, prejudicado de alguma forma. 

Além disso, temos coordenadores acompanhando suas respectivas áreas de ensino. 

Os professores têm o auxílio desses responsáveis de cada área de coordenação no esboço das metas de ensino, e no andamento das aulas que estão sendo dadas.

 

Vocês criaram algum programa de tutoria voltado aos alunos?

Estamos propondo atividades como o Apadrinhamento, projeto esse que tem a prioridade de entender as demandas dos nossos alunos, ajudando-os psicologicamente de forma individual a lidar com a ansiedade, a construir um plano de estudo, e a conseguir organizar uma rotina para ter o dia mais produtivo nesse tempo. 

O maior desafio tem sido o alcance, visto que atendemos um público com grande vulnerabilidade social. Nesses dias de isolamento e com a redução da economia, alguns alunos têm tido dificuldades para se manterem financeiramente, havendo casos de corte de internet, e a consequente incapacidade de se atualizarem sobre o que se passa no cursinho. 

Além disso, o principal motivo da baixa adesão, pelas pesquisas que temos feito, mas que ainda não foram totalmente finalizadas, é o período de adaptação que os nossos alunos estão passando, levando-os a sofrerem com frequentes crises de ansiedade, por sentirem que não estão se mantendo produtivos.

Por último, estamos desenvolvendo algumas ações com nossos patrocinadores, a fim de ajudar alunos que precisam urgentemente de recursos de subsistência (alimento, gás de cozinha e afins), porque dentre aqueles que desempenham atividade profissional autônoma, alguns tiveram seus vínculos de trabalho suspensos.  

 

Vitor Lima, VP – Ações de compreensão das necessidades de alunos e professores são o norte de algumas das iniciativas dos gestores do cursinho – Foto: Cortesia/Garra

Quais os resultados conquistados até o momento, qualitativos e quantitativos, em termos de aproveitamento, desempenho e avaliação dos professores, voluntários e alunos para com as ações implementadas? 

Apesar de estarmos no período inicial de recolhimento dessas informações, conforme o que fora constatado até agora, os alunos estão gostando das lives no Youtube, das videoaulas, e dos formulários. 

Todas as notas por eles/elas atribuídas para com as atividades estão acima de 7 (numa escala de 0 a 10, a maioria orbita entre 9 e 10).

Contudo, qualitativamente, os alunos estão preocupados com o desenvolvimento pedagógico, enquanto os professores necessitam de maior amparo nas questões psicológicas, o qual é o nosso atual foco de desenvolvimento de ações. 

 

Pessoalmente, como lidar com as questões extraclasse de alunos, professores e demais membros do cursinho?  

A atuação dos membros do nosso cursinho deve ser independente da área na qual cada um atua, adotando-se uma postura de prestatividade junto aos alunos, de modo a buscar sempre o melhor para todos. 

Tanto que, nós, da diretoria, somos vistos não como referência, mas, sim, como ponto de apoio aos professores, auxiliando-os em suas necessidades para além da sala de aula, como ponto de orientação.   

 

Jardel Vianello, Diretor de Ensino – Ressalta-se a importância de ser um ponto de apoio aos professores no momento atual. Foto: Cortesia/Garra.

 

Quais dicas vocês recomendam para os demais cursinhos sobre como criar, adaptar e implementar ações sob o atual cenário de pandemia, considerando-se também as recorrentes adversidades sociais, econômicas e educacionais do país?

O momento atual está destacando o quão desigual é a nossa sociedade. Nós, aqui, podemos ficar em casa, temos infraestrutura e tal. Entretanto, há pessoas que não podem ficar em casa, alunos que precisam trabalhar e cuidar dos seus filhos. 

Apesar das limitações, destaco a importância do nosso trabalho enquanto projeto social, sempre lutando em prol do acesso à educação de qualidade com foco no ingresso deles em cursos superiores, sem contar que também damos total importância para a construção de valores e para o acolhimento dessas pessoas.

Hoje, temos um total de 54 membros e 65 alunos. Em questão de acesso à internet, podemos atender até 62 pessoas, mas a adesão tem números menores justamente por essas questões sociais e econômicas. 

Não devemos pressionar os alunos, principalmente nesses momentos mais difíceis, como o de preparação para o vestibular e o ENEM. 

Estamos lidando com a vida de dezenas de pessoas dentro do Garra, tendo-as como prioridades de nossas ações e, assim, aderindo à empatia.

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