“É emocionante poder agora voltar a um projeto como esse, não mais como acompanhante da minha mãe, mas como professora”.

Nesta última entrevista de 2020, a Brasil Cursinhos retorna à capital catarinense, como parte das homenagens aos docentes dos Cursinhos Universitários Populares (CUPs).
Foto: Einstein Floripa

 

O #NosCUPs – uma das séries de conteúdo da Brasil Cursinhos neste 2020 – chega, agora, ao seu último capítulo do ano. 

No decorrer desses últimos 7 meses, tivemos o prazer e o privilégio de compartilhar as incríveis e emocionantes histórias de jovens transformadores, que atuam no Movimento Universitário de Cursinhos (MUC) e nos Cursinhos Universitários Populares (CUPs), espalhados pelo nosso país. 

Dentre fundadores, professores, coordenadores, diretores, alunos e ex-alunos da comunidade universitária, nós, da BC, mostramos o quanto essa geração é engajada e entusiasmada com a educação, esse direito constitucional, esse estado de espírito, sobretudo em tempos difíceis, de pandemia, crises e incertezas. 

Certamente, ainda temos muitas histórias a contar. E você, que nos acompanha, também continua sendo nosso convidado (a) especial nesta jornada. 

 

O termo “rio-mar” era como os índios denominavam o Rio Pará, braço direito do Rio Amazonas, e esse quando em confluência com as águas do Rio Tocantins, torna-o tão largo ao ponto de não permitir aos olhos humanos de avistar a outra margem, transparecendo mais um mar do que um rio.

Às margens do Amazonas – “O maior Rio do Mundo” – nasceu Izabel Marques, mais precisamente no município de Prainha, no Pará, Região Norte do Brasil.    

Junto à ela, 8 irmãos cresceram nessa pequena cidade, que tem aproximadamente 30 mil habitantes (IBGE/2016), situada na Mesorregião do Baixo Amazonas, e abraçada pela maior floresta tropical do planeta. 

Izabel é uma parauara, do tupi para’wara “o que nasceu no rio-mar”, gentílico indígena ao tradicional “paraense” do nono estado mais populoso do país. 

Há 24 anos, a jovem “filha do rio-mar” atravessara o cerrado e a mata atlântica, em direção à Região Sul da Terra Brasilis, em busca de dias melhores, de esperança, dada as adversidades que a vida lhe dispôs.

Sob a mesma expectativa, seus consanguíneos migraram para Belém, capital e maior cidade do estado nortista. 

Dessa vez às margens do Atlântico, Izabel fez de Florianópolis, capital catarinense, seu novo lar.

Mas ainda faltava algo: concluir os estudos, o ensino médio, e dar continuidade aos seus sonhos.

Assim, na Ilha de Santa Catarina, uma das porções territoriais da cidade, a paraense recorreu a um cursinho social. 

Todavia, entre uma aula e outra, Izabel não comparecia aos estudos sozinha, pois uma menina lhe acompanhava.

1996, ano olímpico, bissexto e o Brasil se despediu do líder da Legião. 

Ano que também marcou a vida da jovem nascida em Prainha, cidade ribeirinha, noutro lado do gigante continental chamado Brasil, reservando a chegada de Luana de Azevedo Aimi, sua filha, neta do “rio-mar”.

Mas  “quem um dia irá dizer/ Que existe razão/ Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer/ Que não existe razão?”, imortalizou Renato Russo (1960-1996), em Eduardo e Mônica. 

Quis o destino, generoso e límpido, que o mesmo edifício onde Izabel estudava, há alguns anos, hoje sirva como sede do Einstein Floripa, Cursinho Universitário Popular (CUP), onde sua filha leciona Biologia para aqueles que estão saindo do Ensino Médio, com rumo à graduação. 

Atualmente uma jovem mulher, Luana – união dos nomes Lou e Anna, que pode significar “filha da lua” – além de ser professora, está cursando uma graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e atua como pesquisadora em iniciação científica.

Recentemente, a Brasil Cursinhos teve o prazer de entrevistá-la, como continuidade de nossa homenagem ao dia dos professores, a fim de saber mais de sua história, motivações, sonhos e desafios, sobretudo como docente.

 

Luana de Azevedo Aimi (ao centro) – Foto: Einstein Floripa

 

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Conte-me, o que desejar, sobre o Einstein Floripa

O Einstein começou em 2015, com um grupo de universitários que viram em um cursinho pré-vestibular social a oportunidade de viabilizar o acesso de pessoas de baixa renda à faculdade, principalmente em uma cidade elitizada como Florianópolis/SC, onde a maioria dos cursinhos é extremamente cara. 

Desde então, todo ano é feito um processo seletivo para a escolha de novos organizadores, professores e monitores, tendo como um dos pré-requisitos ser estudante universitário, o qual pode estar tanto na graduação, quanto no mestrado. 

Assim, além de todo trabalho feito com os alunos, há ainda o desenvolvimento dos próprios estudantes da faculdade. 

Atualmente, as aulas estão sendo à distância, porém em anos não excepcionais o cursinho conta com salas do CCS (Centro de Ciências da Saúde) situado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), campus da Trindade. 

Sendo assim, completando, agora, em 2020 o seu quinto ano de atuação, uma das coisas que mais chama atenção no Einstein são, além do objetivo aqui já apresentado, os valores e a cultura Einsteiniana, principalmente no que tange à empatia, tanto com os envolvidos na organização, quanto com os alunos. E isso vai desde a cobrança de presença na aula, como a mudança de algum plano estratégico. 

Há uma consciência coletiva do público que almejamos alcançar e das dificuldades que podem aparecer em seu caminho, portanto buscamos fazer o que podemos para diminuir isso.

 

Como conheceu e ingressou no cursinho?  

Conheci o projeto por meio de uma colega de curso que trabalhou no departamento de Hogwarts (esse responsável por toda parte de ensino do cursinho), e como eu sempre falei da minha vontade de entrar em um projeto social voltado para educação, assim que abriu o processo seletivo ela me avisou. Inscrevi-me e logo vi o primeiro desafio: “aula teste”. Nunca tinha ouvido falar sobre isso, mas encarei. 

Atualmente, sei que muitas escolas fazem também essas aulas antes de admitirem professores, portanto fico muito feliz que a minha primeira experiência tenha sido em uma instituição com pessoas tão afáveis (acho que essa pode ser a palavra). 

De primeira, apliquei-me como monitora, e depois de 6 meses como tal, participei de um processo interno para atuar como professora que é como estou atualmente.

 

Por quais motivações, objetivos e questões pessoais e profissionais, você está no cursinho?

Eu cresci escutando as histórias da minha mãe sobre a infância dela em Prainha/PA, uma cidade ribeirinha do Norte do país. As lembranças são das mais variadas, mas a fome é sempre presente. 

Ela e mais oito irmãos viveram muitos episódios, onde contavam a quantidade de bananas que tinha num cacho, pois aquilo teria que durar dias. Com o tempo, cada um foi fazendo sua história, saindo da cidadezinha, em direção à capital, Belém. Hoje em dia estão todos muito bem. 

Minha mãe conheceu meu pai ainda muito nova, mas viu nele a oportunidade de sair daquela realidade, aceitando cruzar o Brasil com ele, para morar em Florianópolis/SC. Não demorou muito, eu nasci. 

Minha mãe tinha apenas 19 anos, e o ensino médio não estava concluído. Como meu pai era militar, viajava muito, então, muitas vezes, ficávamos apenas eu e ela em casa. 

Tenho alguns “flashes de memória” dela, estudando em casa, mas principalmente de quando ela me levava ao cursinho junto, pois não tinha com quem me deixar. Esse cursinho também era social e acontecia no mesmo espaço que o Einstein (quando as aulas são presenciais).

Então é emocionante poder agora voltar a um projeto como esse, não mais como acompanhante da minha mãe, mas como professora. Essa é a minha principal motivação para estar no projeto, claro, além de toda experiência que tenho tido nele (desde planejamento de aula, apresentação a saber lidar com a relação “professor-aluno”). 

 

Como tem sido a sua experiência pelo cursinho? O que guarda na mente e no coração a partir?

Foi e tem sido maravilhosa. Pude participar da organização de um processo seletivo no início do ano, então também experimentei um pouco dessa parte além das aulas.

Acredito que meu principal aprendizado deste um ano e meio de Einstein é o de entender a importância de se estabelecer valores antes de começar algo.

 

A atual pandemia do Coronavírus (COVID-19) acirrou desigualdades socioeconômicas e educacionais, além de agravar outros problemas, tais como as taxas de evasão, o cancelamento de matrículas na rede particular, dentre outros imbróglios. Assim, quais as maiores dificuldades que tem enfrentado no exercício do seu cargo?

Nós já esperávamos que neste ano a evasão de alunos fosse maior que dos outros anos. 

Temos uma taxa que varia entre 40%, porém, nesta época do ano já perdemos quase metade dos discentes. 

A fim de ajudá-los (as), disponibilizamos os slides das aulas, e os monitores fazem um material didático (a ideia é que o Einstein tenha um material didático próprio ano que vem). 

Além disso, neste 2020 temos disponibilizado materiais de só uma página no estilo “resumex”, mapas mentais e até mesmo um podcast.

 

Como tem lidado com as questões pedagógicas e pessoais dos alunos dentro e fora de sala?

O Einstein tem um departamento chamado “Embaixada do Amor”, que cuida dessa parte de gestão de pessoas, englobando desde aqueles (as) que estão na organização, até os alunos. Então, à luz de qualquer problema maior os discentes podem recorrer à essa divisão. No caso de algum (a) estudante, que tinha alta frequência de acesso aos materiais, apresentar um declínio em seu rendimento, uma das pessoas da embaixada vai falar com ele/ela, no intuito de saber se aconteceu alguma coisa. 

A cada 15 dias, nós, professores, temos reuniões com alguém de Hogwarts e da Embaixada, onde ficamos sabendo de diversas coisas, inclusive dessas questões. E não apenas isso, temos um “programa” com os alunos chamado “Tutoreinstein”, no qual cada docente que quiser participar fica responsável por acompanhar mais de perto 4 ou 5 alunos, para dar dicas de estudos ou ouví-los (as) em caso de adversidades.

 

E o que tem feito perante esse quadro (mencionado na questão acima)?

Na tentativa de chamar a atenção dos alunos, mantê-los atualizados com os estudos, estimulando-os para a realização de seus exercícios, tenho feito aulas temáticas com filmes, jogos e séries, ora nas relações ecológicas que vemos em Procurando Nemo, Espanta Tubarões e Irmão Urso, ora com The Last of Us, na aula de fungos, pois o jogo foi baseado num fungo que parasita formigas, coisas do gênero. Tem sido divertido e trabalhoso, porém temos tido resultados. 

Também faço, a cada duas aulas, um bloquinho de perguntas de revisão, onde quem faz ganha um “certificadinho” de parabenização. Coisas simples, mas que me aproximam deles (discentes) e permite que formemos vínculos. 

 

Como é ser uma professora? Quais são as suas maiores dificuldades e satisfações?

Ser professora é uma espécie de montanha russa de emoções. Ao menos é como tenho me sentido agora. Tem semanas e aulas em que os alunos estão super presentes e comunicativos, noutras parece que estão em Marte, e admito que isso dá muito desânimo, ainda mais neste sistema remoto onde, na nossa frente, só temos uma tela. 

Já aconteceu diversas vezes de pensar: “ah, nessa aula acho que vou estar mais desanimada” e quando começa logo um ânimo toma conta de mim independentemente do estado de espírito deles e flui. 

Não sei explicar o que é isso ou de onde vem esse sentimento, mas é algo que me preenche e deixa completamente realizada com essa profissão que estou escolhendo. 

E claro, no início do ano ver o nome dos alunos na lista de aprovados e encontrá-los pela UFSC é de outro mundo!

 

Quais as suas expectativas para o pós-pandemia, na área de educação? E o que pode ser feito para minimizar os efeitos desse fato no ensino público?

Particularmente, não sei se tenho expectativas de alguma coisa no âmbito da visão que as pessoas têm de “educação”, levando em conta que muitas tem opinião contorcida do que é, do que acontece e da importância do espaço escolar. 

Atualmente vejo alguns pais dizendo que os filhos não estão aprendendo, principalmente das séries iniciais, e quanto a isso espero que eles tenham percebido que dar aula vai além de dominar o conteúdo. 

Há todo um estudo de didáticas, métodos por trás, porém não tenho esperanças que isso aconteça de fato. 

No início até achei que as pessoas entenderiam a furada do “homeschooling”, porém atualmente não sei se penso assim ainda. 

Quanto ao Ensino Público, acredito que ano que vem mais alunos estarão fazendo parte, levando em conta a crise, não só na saúde, mas também econômica que a pandemia trouxe. Quem sabe dessa forma, com mais pessoas dependendo desse sistema, tenhamos mais quórum na luta por ele (ensino público) e mais pessoas esclarecidas de que a crise na educação no Brasil não é casual, mas, sim, um projeto.

 

Pessoalmente, qual a importância dos Cursinhos Universitários Populares (CUPs) no Brasil?

Acredito que na atual situação do ensino público, os cursinhos universitários populares são de extrema importância, tanto para nós, como universitários, devolvermos para sociedade parte do que nos é aplicado, quanto para preencher vazios que são deixados pela precarização do sistema. 

Esperávamos que não fosse necessário, claro, mas atualmente acredito que seja.

 

Quais seus planos para o futuro?

Futuramente, pretendo trabalhar como professora e quero seguir nessa área de cursinhos pré-vestibulares, pois encontrei neste espaço um lugar onde eu posso dar aulas do jeito enérgico que tanto gosto (alterar tom de voz, usar fantasias, trazer referências de filmes, brincar com paródias). 

De alguma maneira quero continuar ajudando cursinhos sociais, apesar de ainda não saber como fazê-lo, mas isso é também uma das minhas prioridades. 

Além disso, pretendo trabalhar com divulgação científica – explicar pesquisas científicas de uma maneira mais simples, para que todos tenham acesso a essa parte do conhecimento. 

Quem sabe atraindo mais pessoas pra “esse mundo”, não tenhamos uma maior valorização da ciência brasileira?

 

O que é educação?

Educação é uma palavra muito ampla, mas de todos os seus significados, acredito que “sinônimo de liberdade” é uma das minhas favoritas. 

O acesso à educação abre portas, dá novos horizontes, oportunidades e principalmente o poder de escolha de qual caminho trilhar.

 

Quem é Luana Aimi?

Sempre que chegava nessa questão, a Luana, desde os 15 anos, tinha só uma resposta: “quem se descreve, se autolimita”, talvez mais pra fugir da pergunta do que qualquer outra coisa. 

Porém, eu diria que a Luana é uma “menina mulher” que não tem medo de expressar o que sente, mesmo que isso indique vulnerabilidade. 

Uma pessoa que sente intensamente os momentos, corre atrás do que almeja e bate de frente com o que ou quem for necessário. 

Sempre engajada com projetos sociais e na luta por esses. 

Se você a conhece, sabe que sempre terá um alguém pra chorar suas dores e sorrir (pular e dançar) suas vitórias. 

E que apesar de estar completando 24 anos é ainda muito sonhadora sobre si mesma e sobre o mundo.

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No último texto, este escriba agradece imensamente à Brasil Cursinhos, pela experiência memorável neste 2020. (Felipe A. da Silva)

 

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