Cursinho da Poli-USP (SP): “Deixamos claro aos nossos alunos: procurem a gente!”

Cursinho popular de SP adapta suas atividades à distância, abrangendo empatia, cooperação e comunicação.
Turma de aprovados no Cursinho da Poli – Comunicação com os alunos faz a diferença – Foto: Cortesia/Mariana Tavares

Como parte do conteúdos especiais que nós, da Brasil Cursinhos, estamos divulgando nesta Semana da Educação (o dia da educação é 28 de abril), a segunda parada do #NosCUPs é em São Paulo/SP, mais precisamente no Cursinho Popular da Poli-USP.

Em entrevista concedida recentemente ao DW Brasil, Lúcia Dellagnelo, diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), citou que “para quem a escola é essencial como espaço de socialização e de aprendizado, os dilemas do uso da tecnologia no contexto brasileiro são potencializados pela desigualdade de acesso às ferramentas pelos alunos, já que parte deles não têm os equipamentos necessários ou uma conexão de banda larga em casa”. 

3,5 milhões de alunos na rede estadual, e 1 milhão de estudantes na rede municipal da capital paulista estão sendo diretamente impactados pelo fechamento dos equipamentos públicos e particulares de ensino fundamental e/ou médio que vigora de maneira geral desde desde 23 de março em todo estado, uma vez que, desde o dia 16 do mesmo mês, universidades estaduais e privadas também começaram a suspender suas atividades de modo gradual por recomendação das autoridades públicas.

Acrescenta-se ao cenário descrito por Dellagnelo, as incertezas da pandemia, instabilidade econômica, e os alarmantes índices de desigualdade social e evasão escolar – fatos que dificultam a criação e o desenvolvimento de alternativas à educação no campo das políticas públicas.

Atualmente com 155 alunos, 25 professores, e 60 plantonistas de várias disciplinas, o Cursinho da Poli-USP tem flexibilizado o acesso à educação para seus alunos por meio de um novo conjunto de estratégias e ferramentas.  

Seus membros são de todas as áreas do conhecimento, contemplando graduandos e/ou graduados por universidades públicas, não necessariamente pela USP. 

A fim de saber como desenvolver iniciativas voltadas ao amparo e à afirmação do direito à educação aos estudantes em meio à pandemia, a BC entrevistou Mariana Barbosa Tavares, diretora do Cursinho Popular da Poli-USP, e graduanda em Engenharia Química na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI/USP).

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Como foi acompanhar o avanço do novo coronavírus, principalmente em relação às atividades do cursinho, considerando-se as recomendações para a suspensão das atividades regulares e de isolamento social por parte das autoridades públicas?

Assim que as notícias começaram a aparecer, surgiram dois casos (da COVID-19), dentro da universidade – um deles, no curso de Geografia, e outro na POLI. No mesmo dia de divulgação dessas notícias, 12/03, os alunos começaram a entrar em contato conosco, com o objetivo de saber mais sobre uma eventual suspensão das aulas. 

No dia seguinte, começamos a cogitar uma paralisação, a partir de uma reunião ordinária que realizamos todas as sextas-feiras. 

Foi então que, no dia 15/03, domingo, também em reunião, definimos a suspensão das atividades regulares a partir da segunda-feira. 

Em comunicado, a USP já havia decretado a suspensão das aulas com início no dia 17, mas o fizemos um dia antes, principalmente por uma questão de responsabilidade.

Não podemos colocar em risco a vida dos nossos alunos e de suas a famílias. Não sabemos quantos deles/delas têm familiares no grupo de risco. Seria um ato de irresponsabilidade colocar 155 alunos na rua para ter um dia de aula. 

Na semana posterior, tivemos reuniões que trataram da manutenção das atividades do cursinho, como seria o panorama das semanas que viriam, e sabendo-se da não-suspensão das atividades dos cursinhos comerciais, automaticamente, os professores começaram a pensar nas aulas online. 

Entretanto, temos o problema da vulnerabilidade social dos nossos alunos, uma vez que grande parte depende da infraestrutura da USP para ter acesso aos computadores e/ou usufruir de uma conexão de internet estável. 

Quais são as estratégias e ferramentas adotadas perante o quadro atual? 

Atualmente, estamos transmitindo as aulas via Google Meet com os professores que desejarem fazê-lo. Além disso, sabendo que parte majoritária dos docentes são alunos da USP, o Google liberou acesso completo a todos os recursos do programa (Meet) para os estudantes e professores, o que nos possibilitou de transmitir as aulas para todos, ao vivo, deixando-as também gravadas. 

Nossos plantões, agora, estão funcionando online, com grupos divididos de acordo com cada disciplina, nos quais estamos inserindo todos os estudantes interessados em tirar dúvidas.

Também usamos o Google Classroom e, com ele, estamos disponibilizando todos os materiais, slides, e as gravações das aulas feitas a partir do Meet, e vamos implementar simulados online que também serão feitos nessa plataforma.

Aulas à distância – Comunicação com os professores foi essencial para adequação das atividades. Tela: Cortesia/Mariana Tavares

Por fim, compartilhamos materiais periódicos em grupos no Facebook, nos quais reúnem-se todos os membros: alunos, professores e gestores.

Já para o público externo, estamos divulgando conteúdo voltado ao entretenimento e à orientação/informação, também nas mídias digitais.  

Como se deu o processo de criação e implementação dessas iniciativas?

De início, compartilhamos uma pesquisa junto aos estudantes, no decorrer de uma semana, com o intuito de saber como eles poderiam se adaptar à essa estratégia (EAD), considerando alguns pontos-chave, como, dentre outros, infraestrutura, pois precisávamos de um panorama e, felizmente, constatamos que a maioria tinha acesso a computadores em suas casas, bem como à uma rede de internet estável, por algumas horas ao longo dos dias.

Em seguida, discutimos eventuais soluções, plataformas e recursos de integração, com o objetivo de transmitir todas essas informações para os professores e plantonistas para, finalmente, iniciarmos um programa de capacitação. Foram 10 dias de muito trabalho. 

Como não era viável atender a todos os alunos ao mesmo tempo, fizemos uma série de ajustes necessários e, agora, nossas atividades já estão funcionando à distância. 

Mesmo que, nós, do Cursinho da Poli-USP, sejamos autogeridos, e com escassez de recursos, é legal acompanhar esse processo e os resultados obtidos. 

Quais pontos levaram em consideração no momento de desenvolvê-las?

Nosso principal ponto de consideração foi o de estar ciente de que grande parte dos nossos alunos estão inseridos em um contexto de desfavorecimento frente a preparação pré-vestibular e, a partir disso, não fazer nada a respeito me deixaria muito incomodada. 

Temos um projeto de mudar positivamente a vida das pessoas a longo prazo, e não estaríamos fazendo isso caso continuássemos inertes.  Nosso propósito é o de transformação, então, nós tínhamos que nos transformar, em um primeiro momento para, em seguida, transformar a vida dos demais.

Como está sendo a receptividade dos alunos, professores e voluntários para com as ações adotadas até aqui?

Eles estão adorando. A adesão dos alunos às atividades e à rotina propostas é altíssima, e o feedback recebido é amplamente positivo – 99,8% de satisfação, fazendo um apontamento livre. Até agora, ainda que estejamos em fase inicial desse processo de adaptação, eles estão se sentindo muito acolhidos também. 

Também temos um retorno positivo muito agradável dos nossos voluntários. Todos estão muito empolgados.

Visando avaliar o desempenho do corpo docente e discente a partir dessas estratégias à distância, vocês criaram algum programa de tutoria voltada aos alunos?

Sim. Temos programas de avaliação e acompanhamento para os alunos e membros da equipe do cursinho.

No acompanhamento da equipe, os alunos avaliam o corpo docente em vários aspectos por meio de um formulário, o qual pretendemos adaptar no decorrer deste ano, adaptando-o à necessidade dos estudantes. 

E no acompanhamento dos alunos temos um programa de tutoria pautado no auxílio pessoal e profissional de cada um. Esse programa era voltado, há alguns anos, à frequência dos alunos, aproveitamento em sala e afins.

Aluno acompanha aula do Cursinho da Poli – USP à distância – Ouvir os discentes é um ato de empatia – Foto: Cortesia/Mariana Tavares

Agora, teremos o acompanhamento da rotina de aulas online, e de organização do cronograma do aluno em relação aos vestibulares que ele/ela irá prestar.

Considero esse programa de tutoria como um patrimônio do nosso cursinho, sendo fundamental na questão do desenvolvimento dos alunos ao abordar muito mais do que o compartilhamento de conteúdo em sala e/ou à distância.

Quais os resultados conquistados até o momento, qualitativos e quantitativos, em termos de aproveitamento, desempenho e avaliação dos professores, voluntários e alunos para com as ações implementadas? 

Estou no cursinho há 3 anos e, antes disso, eu já acompanhava os resultados do Cursinho da Poli-USP. Entre os CUPs, especialmente em São Paulo, ele tem uma ótima reputação. 

Ano passado, tivemos 40 alunos aprovados, totalizando 45 aceites, sendo que alguns deles/delas foram aceitos em mais de uma instituição. Só aqui, tivemos 7 aprovados, o que é incrível para o contexto de um cursinho popular. Houve aluno sendo aprovado para a Medicina/USP.

O que define nosso sucesso qualitativo é quando nossos ex-alunos voltam para a integrar a equipe. Eles reconhecem o valor e o esforço do nosso trabalho. 

Agora, no processo seletivo para plantonistas, 5 ex-alunos prestaram, vários deles ingressantes em universidades públicas. Esse retorno mostra como nossa missão não é apenas a de aprovar, mas, também, de formar pessoas e profissionais para a vida.

Quais dicas recomenda para os demais cursinhos populares sobre como desenvolver, adaptar e implementar ações de atendimento, aprendizagem e gestão, principalmente sob o atual cenário, contemplando alunos, professores, gestores, orçamento, infraestrutura, pessoal, cronograma e similares? 

Uma coisa que sempre temos em mente é a empatia. Nada pode tirar a nossa empatia pelos nossos alunos. Estamos incentivando todos os membros da nossa equipe a fazer isso. 

É preciso estar próximo da vida dos alunos, presente, compreendendo suas rotinas, mesmo à distância, de modo a dialogar com eles, perguntando-lhes:

“O que posso fazer para te ajudar?” 

“Posso montar sua rotina de estudos?” 

“Posso lhe acompanhar?” 

Estamos deixando claro aos nossos alunos: procurem a gente!

Podemos ajudá-los no que for necessário, independentemente do meio de comunicação ou aparato tecnológico. São coisas que estão ao nosso alcance.

Antes de pensarmos nas questões físicas, estruturais e institucionais, devemos pensar no nosso lado humano, colocando-nos no lugar desses estudantes, refletindo sobre o que eles estão precisando antes de um computador ou um celular.

Como lidar e superar as dificuldades que surgiram em meio à pandemia, pessoal e institucionalmente?

A princípio, tivemos algumas dificuldades em retomar nossas atividades como antes. O cenário que surgira, em alguns momentos, gerava certas instabilidades. 

Porém, há algo do qual eu sempre defendo: comunicação

Diálogo, transparência e feedbacks são fundamentais, assim como humildade e cooperação.

Como a flexibilização do ensino em situações como a atual – por meio de estratégias inovadoras – auxilia cursinhos, professores, diretores, alunos e voluntários?

Infelizmente, há um abismo social muito grande dentro do sistema de educação nacional, seja entre escolas, universidades e cursinhos. 

Hoje, todos nós estamos lidando com algo muito novo e, ao mesmo tempo, estamos percebendo que a nossa mobilização e comunicação como rede pode nos levar a lugares antes inimagináveis.

Muitas das estratégias adotadas pelo Cursinho da Poli-USP se deram a partir dessas conexões, incluindo com membros da BC e do MUC, como o Rubenilson do Galt

Este momento está mostrando o poder da comunicação, e que o nosso potencial é muito subestimado, principalmente no que se refere a como desenvolver atividades online em complemento às ações presenciais. Assim, podemos complementar várias coisas a partir dessas estratégias à distância. 

Tudo é uma questão de estudar as possibilidades. 

Todavia, precisamos de financiamento e apoio, ainda que essas iniciativas estejam dando certo por agora.

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